quinta-feira, 17 de junho de 2010

ATIVA NEGA

ATIVA NEGA

SATISFELIZ
NUNCA VI
VIVI E NADA
SATISFORA, FEITA NUNCA
QUANTO MAIS FAÇO
MAIS SE AGITA
EM NEGAR
OLHO CEGO
NEGA, CEGA E PERDIDA
NA IDA SEMIVOLTA
DO NÃO QUERER VER
É O QUE NÃO QUER
JÁ SENDO O NUNCA
QUE ACONTECE QUANDO NEGA
A SI O SIM

O PLANO

O PLANO

SEM O VERDE DA PLANTA
O PÁSSARO NÃO CANTA
NÃO BICA NEM EMBICA
NO TRÔPEGO MELÓDICO
SOAR FELIZ OU MELANCÓLICO

NÃO HÁ

NÃO AR

PODA DAS ASAS
SÁBIAS COM O TEMPO
CONTEMPLAM
O PLANO
TODO

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Ponto

Sai na segunda, sonolento, numa melancolia de domingo mal fruído. O ronco dos motores passantes é esgar de dentes podres da vida compulsória, é um futuro como muro cinza. Voltar pra cama, voltar pro sono, pro útero - queria. Os olhos engolem as lágrimas. Ninguém chora no ponto, por que ele o único? Engole o querer e acena para o ônibus. Some dentro da imensa caixa de aço, deixando um rastro de fumaça e resignação que se dissolve no ar frio da cidade que amanhecerá.
Palhaço

Vai a luta. Mas teme. Treme a alma ao lembrar do jornal. Pode ser assaltado ao sair do prédio, atropelado ao atravessar a rua, ter um troço de tanto comer troço, pode até morrer de raiva de tanta coisa que digere ou de tanta coisa que engole sem mastigar. Se contorce na rotina, se equilibra nos quereres, salta na cama elástica do conforto de sonho. Vaporoso, doma tigres internos e, no fim do dia, ninguém o aplaude - palhaço.
Beauty

Ela crê no creme. Jovem pra sempre, faz planos. Se a cara não cair, continua com a máscara.

LOTERIA

LOTERIA

Show de graça. Gente pra caralho. Respingos de cerveja e de olhares, de intenções. Cuidado com a carteira, celular nem trouxe. Cuidado com a namorada, antes não trouxesse. Tantos quereres soltos das gaiolas, tantos medos deixados em casa - vai dar merda! Eu sei, vai dar! Tiro! Onde? Olho pra um lado, pro outro, todos olham - pra mim! Loteria - eu, único perdedor, sangrando... Caio. Lentamente fecho os olhos e colo o ouvido no asfalto pra ouvir melhor os graves da banda.
DOLA

Só não era mais fácil
porque eu não era fácil
não me dava
não era de social

Andava naquela de olho
O xadrez observava
Dava umas caminhadas
Sabia quem tinha
e quando não
de minuto a questão
Conseguia, sempre

Alguns moleques se achavam
Passar perna, dola miada
Fazendo ponte sem volta,
botando saci
Eu ia mesmo assim
Uma grana ou outra que arrumava descia
Voltava alegre,
queimava com gosto

Na época era diferente,
nenhum grilo tinha perna

Alta rotatividade:
um dia na mão de uma vovó,
no outro guri de treze anos,
depois uma malandrona de Balzac.

O favo tava na favela
e tudo que era abelha sabia.
FUMAMOS

Eu tenho medo, amor
que o mundo termine com a gente
que de repente
sejamos atores
presos ao roteiro
do tiro da bala perdida no próprio pé

Eu tenho medo quando você sai
não sei se volto também
Pra não poder morrer a gente morre

Mas até hoje fumamos
baseados em tudo que somos
não poderia ser diferente

Hedonismo do outro lado da balança
que um dia cai

terça-feira, 18 de maio de 2010

Consciência Mirim


Nem tudo que é lícito é honesto. Pior: nem tudo que é lícito e honesto é bom. Pode parecer um contrasenso, mas essa é a idéia que me vem a cabeça quando penso no crescimento desordenado da cidade de Salvador - e nem estou tratando do mérito da legalidade ou não das concessões feitas a empreendimentos imobiliários da cidade, principalmente na Avenida Luiz Viana Filho, mais conhecida como Paralela, um dos últimos resquícios de Mata Atlantica que sobrevivem a voracidade da construção civil irresponsável.
Folheando digitalmente o jornal A Tarde de 18 de maio, me surpreendo com mais um indício que corresponde com o que digo. O título: "Família acorda com tamanduá-mirim dentro de casa em Patamares."
O assunto me chamou a atenção e continuei lendo: Os moradores da casa nº 68 do condomínio Colina C de Patamares acordaram, nesta segunda-feira, 17, com a visita inesperada de um tamanduá-mirim. Animal raro e considerado endêmico dos remanescentes de mata atlântica da Avenida Paralela, o bicho, segundo a médica veterinária Carline Dias é uma prova da rica biodiversidade da região. "Essa espécie está com o seu habitat cada dia mais reduzido", afirmou ela, que mora na casa onde o tamanduá escolheu para se abrigar. Não pude deixar de notar a ironia da situação. O tamanduá, como se soubesse quem ocupava a casa, escolheu justamente a de uma veterinária para se refugiar. Como num ato desesperado, foi tentar um internamento na casa de uma "médica de animais" que, pelo que demonstrou ao falar ao jornal, tem plena ciência da raridade do espécime e, muito mais, tem plena consciência (?) de residir em área que foi dilapidada ambientalmente, provocando a morte e o desequilíbrio de fauna e flora num ecossistema em franca extinção.
Talvez o tamanduá tenha "invadido" a residência da Dra. Carline para requerer a reintegração de posse do seu terreno frente a uma pessoa que, a primeira vista, se mostraria sensível a sua causa. Realmente, a veterinária mostrou-se preocupada com o desmatamento que poderá vir a destruir a biodiversidade do Parque do Vale Encantado, situado ao fundo de sua residência. É pretendida a construção de uma nova avenidade que cortaria o local. É verdade, o sono da Dra. Carline estaria comprometido devido ao novo fluxo de automóveis que transitaria diuturnamente por lá, nem chegando aos pés do incômodo causado por um simples e desesperado tamanduá que, além de tudo, é mirim. Outro inconveniente seria a possível visita de outros espécimes não tão amistosos quanto o tamanduá: cobras, aranhas, escorpiões...
O condomínio "invadido" pelo tamanduá foi construído, suponho, sob licença do IMA, Instituto do Meio Ambiente. Dentro das normas, não há que se questionar da licitude e honestidade das propriedades. Neste caso, a lei atenua as consciências e ninguèm se sente culpado, responsável, por adquirir um imóvel que contraria o bom senso ambiental. Muitos querem ter o conforto de morar pertinho ou até dentro de uma floresta, mesmo que haja o inconveniente diário de uma visita de um representante da mata dizendo, quase gritando: Vocês estão no lugar errado!

Carlos Allenzeck, 18 de maio de 2010

Link para a matéria do Jornal A Tarde: http://www.atarde.com.br/cidades/noticia.jsf?id=2483728